Keeping Up With Xamã

De Sepetiba, subúrbio carioca, Geizon Carlos foi criado pela avó e não costumava a dar tanto trabalho, não. Na escola, gostava de gramática e literatura e, assim, começou a fazer poesia — o menino é escorpiano com ascendente em Gêmeos: pra lá de bom de lábia.

Aos 20 e poucos, começou a trabalhar em lojas de surfwear em Bangu e Campo Grande onde a música ambiente era sempre o rap. Foi aí que ele achou que seria uma boa ideia vender rimando — fosse uma bermuda da Billabong ou um pacote de amendoim — e deu certo.

O negócio evoluiu pras rodas de rima, Geizon virou Xamã… e o resto é história.

…mas uma história recente, ainda que meteórica: foi em 2015 que ele começou a despontar nas batalhas e, hoje, pouco mais de 6 anos depois, já é amplamente conhecido em território nacional, com 3 discos super conceituais — e bem conceituados — vários feats de sucesso e altos singles emplacados.

Keeping Up Project: Não faz tanto tempo que você conquistou essa progressão na mídia, mas tem sido muito intenso desde então. Como você tem lidado com a exposição — principalmente em meio às polêmicas recentes?

Xamã: É um pouco novo pra mim, sabe? Porque só agora o rap conseguiu estar no mainstream. Não só por mim, mas por outros também: L7nnon, Orochi, Matuê… acredito que deve ser assim pra todos nós, porque é muito novo, todos nós viemos de uma origem humilde, de subúrbio e, quando tem uma lente de aumento na nossa carreira, tudo fica maior. Mas estamos nos adaptando…

Sobre as polêmicas em si, Xamã prefere não entrar em detalhes — não que ele tenha pedido pra evitar qualquer assunto em específico: o marte dele é em Libra. Apesar da cara de marrento, o cara é simpático pra caramba — e Keeper raiz, acredita? Logo que entrei em contato, recebi um áudio do próprio: “Eu acabei de chegar agora aqui em Porto Alegre, vou chegar no hotel e ler direitinho o que você pensou pra entrevista… mas vamo que vamo! Seja o que for a resposta já é sim. A galera lá é bem dahora, gosto muito do trabalho do Keeping Up Project“.

Fato é que — até pra preservar sua saúde mental — o foco tem sido outro. Quando pergunto a respeito da opção que fez em agosto deste ano de se afastar das redes sociais e da música, limita-se a responder:

X: Eu senti em algum momento que eu prestava mais atenção nos comentários negativos do que nos positivos. Eu via 30 comentários positivos e 1 negativo — e aquele negativo tinha um poder maior do que os positivos. Aí, eu falei ‘nossa, tem alguma coisa errada, porque uma coisa ruim não pode exercer tanta força no meu psicológico’. Aí, puxei o freio de mão e tô retornando aos poucos…

Ainda que o assunto saúde mental venha lentamente se tornando uma pauta constante na internet e no mundo, as vezes em que ouvimos uma perspectiva masculina sobre o tema ainda são mais raras, especialmente quando se trata de alguém do meio artístico.

Nem toda polêmica se resume a um bafafá que vira meme no Twitter: às vezes é um trauma visto por muitos olhos e apontado por muitos dedos — e lidar com isso tudo é bem pessoal: nada mais justo do que puxar o freio de mão.

Mas o cara é escorpiano de sol, lua e mercúrio — e Escorpião é isso: ler nas entrelinhas e sobreviver às pressões. Destruir pra construir: transmutar.

K: Do lado de fora, a impressão que fica é que você é uma pessoa sem tabus na arte: fala de sexo, fala de amor, coloca astrologia no rap, explora mil estilos e não tem medo de falar sobre saúde mental. É isso mesmo?

X: Exatamente. E é sobre se comunicar com a juventude, passando as ideias, entendeu? Essa pegada de se identificar com os jovens e escrever coisas pros jovens. Pra ter um norte e um mantra pra seguir mesmo… às vezes a gente é preso a mantras negativos, de achar que não vai conseguir ou não é bom o bastante. Eu tento fazer coisas com que as pessoas se inspirem e cantem em primeira pessoa, como se fossem elas, pra vestirem essa carapuça e cantarem com a própria galera. Por isso sempre gostei muito do Chorão no Charlie Brown Jr. e do Renato Russo na geração anterior.

K: Essa resposta ilustra bem o fato de você ser um artista que não se limita à cena do rap. Inclusive, já trabalhou ao lado de músicos consagrados no funk, pagode, sertanejo e pop. Alguma vez já se sentiu pressionado a se definir em um estilo só ou foi criticado por explorar dessa forma?

X: Quando eu comecei a fazer música eu não sabia o que eu queria ser, porque eu já gostava de pagode pra caramba, de rock, sempre gostei muito de balanço, de música de rádio… mas o rap me abriu as portas. Se fosse aquele programa lá da Globo, o que virou a cadeira pra mim foi o rap. Então, tudo o que eu construo em todos os outros estilos musicais sempre tem essa linha dorsal do rap, sacou? Eu sou um rapper que canta outros estilos — porque no Brasil não existe um estilo musical só: o cara que é roqueiro se ouvir um Raça Negra vai sambar, não tem como. O Brasil é muito misturado e isso é refletido na música.

K: Pra terminar: você foi o único brasileiro a ser indicado ao BET Hip Hop Awards desse ano e acabou de lançar o EP Acústico Cancún, que revisita seus sons com essa vibe bem tranquila, pé na areia. Depois de uns períodos mais turbulentos, você espera uma fase mais zen ou prefere não esperar nada, rs?

X: Agora eu tô sem expectativas, entendeu? Eu tô curtindo a montanha russa, é isso! Eu sou romântico, óbvio que eu vou criar expectativa, mas eu prefiro me educar que não pra não ter problemas. Tem muita gente no rap e a gente precisa imprimir quem é nas nossas letras e no nosso dia-a-dia — e essa parada de fama… às vezes o formato da mídia te dá uma podada, né? Você espera sempre que o seu sonho vai ser uma coisa incrível, não que vai ser uma turbulência e tal… então eu prefiro não criar expectativas e fazer umas músicas sobre isso.

Com turbulência ou não, Xamã segue voando alto.

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Jornalista, geminiana, paulistana & esquisita. Gosto de geopolítica, arte, cultura pop e aleatoriedades em geral. Por aqui, acho importante trazer temas que abordem diversidade, ativismo e outras causas relevantes — além de entrevistas que mostrem lados que as redes sociais nem sempre exploram =) No Keeping, assino meus textos como Kyra, e você pode conhecer mais sobre meu trabalho aqui: https://www.linkedin.com/in/jamilediniz/

14 thoughts on “Keeping Up With Xamã

  1. Kyra, que entrevista incrível, o Xamã é um amor de pessoa e admiro muito o jeito diferente e inteligente que ele tem.
    Amei que ele é Keeper 🤩

    Beijos :*

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    1. Acabei de ler a entrevista e amei! Ritmo muito gostosinho, lê num pulo e super massa! Não conhecia o trabalho dele, mas já tô indo atrás! Parabéns, meninas! Vcs tão arrasando.

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