Autor considerou que a cantora faz parte da “elite branca” por posar com colar avaliado em US$ 30 milhões
Parece clickbait, mas não é! A imagem de Beyoncé posando ao lado do marido, Jay-Z, usando um colar de diamante amarelo raríssimo, não agradou nem um pouco o autor brasileiro Aguinaldo Silva. Em seu Twitter, ele não apenas fez comparações da cantora com a realidade de mulheres pobres no Brasil, como ainda a classificou como da “elite branca opressora”.
“Para mim, justiça social só quando qualquer mulher, independente da raça, idade, religião ou fama puder usá-lo. Isso acontecerá algum dia? […] Joelly tem 37 anos, é negra, diarista, mãe de três filhos e nenhum pai para ajudar a criá-los. Fico aqui a imaginar o que lhe passa pela cabeça quando ela lê notícias como essa sobre o colar milionário de Beyoncé. Gente, vamos cair um pouco na real, tá legal?”, criticou.
Os comentários, é claro, não caíram nada bem, e Silva foi bem criticado na internet. Três dos que mais chamaram atenção foram os de Jéssica Ellen, Rafael Zulu e Ícaro Silva, que apontaram a incoerência do autor em se preocupar com o tema, sem nunca sequer ter dado espaço para um protagonista preto em suas tramas.
“Agnaldo, vamos falar de Brasil? Quando em suas novelas seus protagonistas tiveram a pele como a minha? Quando em suas novelas a cultura preta brasileira foi abordada para ajudar na autoestima da população preta? […] Em pleno 2021, a lista de protagonistas pretas na TV brasileira não chega nem a 5 nomes… E não é por falta de talento e sim oportunidades. O problema do Brasil não é a Beyoncé ser milionária, é a elite branca se incomodar com nossa autonomia e ascensão social. O problema é ainda sermos vistos apenas como descendentes de escravizados e não reais potências! O problema é ter um país com mais de 50% da população preta e isso nem sequer está representado nos filmes e novelas”, afirmou a atriz.
Já Zulu, foi ainda mais direto: “Ah Sr. Aguinaldo Silva, acorda! Nunca vi protagonista preto em seus trabalhos e olha que não foram poucos. O senhor sempre foi do ‘dreamteam‘ dos autores da Rede Globo nos tempos áureos e nada de preto em destaque. Agora me vem, nesta altura do campeonato, criticá-la por isso? ‘Pra’ gente, ela é referência e régua de onde queremos e podemos chegar. Não vem colocar a gente contra o nosso povo não. Não caímos mais nessa”, destacou.
Depois foi a vez de Ícaro ser ainda mais contundente. Em uma carta aberta e com uma foto ao lado da mãe, Josefa Maria do Espírito Santo Silva, o ator fez um relato emocionante sobre sua criação e como é inaceitável que alguém, que tão pouco parece entender sobre o movimento antirracista ou quiçá a importância de nomes como o de Beyoncé, tente falar como uma mulher preta deve se sentir.
“Você não sabe nada de Joelly, Aguinaldo. Não sabe nada de Jô, nem de Beyoncé. É visível que não. Seu olhar viciado sobre a sociedade brasileira, expresso em novelas ainda hoje tão embranquecidas, não contempla nossa história, tampouco nosso tamanho. Eu quero Beyoncé carregada de diamantes, Aguinaldo. Quero vê-la coberta da cabeça aos pés das pedras mais preciosas já roubadas do continente africano pelos europeus. Quero ver Beyoncé nadando em um cofre de diamantes como se fosse tio Patinhas, quero ter que usar óculos escuros pra ver Beyoncé. E o dobro eu desejo para toda e qualquer mulher preta nesse planeta! Beyoncé é o presente e cada vez mais o futuro, Aguinaldo. A Elite Preta que o racismo te impede de sequer reconhecer e que torna obsoleta qualquer representação falha proveniente da ignorância racista”, concluiu.
Entre o apoio de muitos artistas nos comentários da postagem, Taís Araújo – que dias atrás chegou a reproduzir a foto icônica ao lado do marido, Lázaro Ramos – foi uma das que não apenas aclamou o colega, como ainda declarou: “Viva as mulheres negras desse país e do mundo! E que nós possamos ter e ser tudo o que queremos e sonhamos, sem nos preocupar com os olhos, línguas, julgamentos e atitudes de ‘capitães do mato’, porque esse tempo já acabou.”
Responsável por títulos como “Roque Santeiro” (1985), “Senhora do Destino” (2004) e “Fina Estampa” (2011), o detalhe é que o dramaturgo está no ar justamente com uma trama que fala sobre a disputa por uma pedra preciosa, com a retransmissão de “Império” (2014), em que o protagonista é Alexandre Nero, o “comendador”. Do elenco principal, só dois pretos, Cris Vianna, como a passista Juju Popular, que é trocada por uma mulher branca e cria o filho sozinha; além de Aílton Graça, com a personagem Xana Summer, em uma versão um tanto caricata e estereotipada de um cabeleireiro que, vale destacar, na época o autor fez questão de dizer que não se tratava de um gay, mas ‘crossdresser‘ – homem que gosta de se vestir de mulher – mesmo depois do envolvimento dele com um outro personagem masculino do enredo.
De qualquer forma, mesmo com a repercussão negativa, Aguinaldo não se manifestou ou mesmo pediu desculpas, e continuou postando coisas em sua conta na rede social, fazendo apenas uma referência enigmática de que “verdadeiros amigos apunha-lam pela frente”, sem explicar ao que se referia.
Já a jóia usada por Bey, da grife Tiffany & Co, é avaliada em nada menos que US$ 30 milhões (algo em torno de R$ 150 milhões), e foi encontrada em 1877, na África do Sul. Antes da cantora, apenas outras todas três mulheres tiveram o mesmo privilégio que usá-lo, todas elas brancas: Audrey Hepburn, Lady Gaga e Gal Gadot.
Claro que, como apontado por muitas pessoas, talvez isso nem possa ser considerado uma conquista tão grande, já que o garimpo – ou extração de pedras preciosas – acontece com a exploração de trabalhadores em condições perigosas e, muitas vezes, precárias. Ainda mais quando isso aconteceu há centenas de anos e no continente africano. Mas, enfim, isso é assunto para uma outra conversa…